domingo, 23 de novembro de 2008

Alex Primo e o encadeamento midiático dos índios isolados


Na semana passada, palestrei no I Colóquio em Imagem e Sociabilidade, organizado pelo GRIS na UFMG. Quem assistiu minha apresentação foi o Alex Primo, ele me convidou para blogar no site dele sobre o tema, o que eu adorei, pois eu utilizo o conceito dele de encadeamento midiático.Reproduzo o post aqui:

Encadeamento midiático dos índios isolados

Sim, concordo com o conceito de Primo: há encadeamentos midiáticos entre tipos de mídia de massa, nichos e micromídias, nos quais são percebidos alterações de valor.A primeira foto dos índios isolados na internet foi divulgada pelo blogueiro Altino Machado, de Rio Branco-Acre e na revista Terra Magazine, em 23 de maio de 2008. Altino recebeu do sertanista da Funai José Carlos dos Reis Meirelles Júnior e quis sensibilizar a opinião pública contra madeireiros peruanos que prejudicam as tribos.Em dois dias, o encadeamento se alastrou na blogosfera: blog português Tupiniquim, blog do Edvaldo, deputado do Acre, blog da Glória Peres e outros. No circuito transnacional: Reuters e Global Voices em inglês, russo e francês em 24 horas.Uma semana após, a ‘velha mídia’ Folha de São Paulo ilustrou a manchete com a ‘velha imagem’.A divulgação causou reação imediata: o governo do Acre criou novos postos de guarda para proteger os índios dos madeireiros peruanos.

A falácia da novidade: contra-encadeamento

Os indígenas amazônicos interagem com a civilização desde 1800. Quem não sabe, quando lê “índio isolado”, tem impressão que é ‘novidade’. Um mês após a primeira divulgação, circulou na mídia internacional que a imagem era fraude. Isso porque o jornalista Gabriel Elizondo, correspondente da Al Jazeera no Brasil entrevistou o sertanista Meirelles em Feijó-Acre e disse que os índios são ‘conhecidos’ desde 1910.A partir daí, Peter Beaumont, jornalista especialista em Oriente Médio, do jornal inglês The Observer deduziu que não era uma “descoberta inédita” e concluiu ser uma farsa.Começa outro encadeamento midiático, com valor alterado. Para a Radio Nederland: ‘Tudo não passou de uma fábula’ do governo brasileiro e das ONGs. Para o espanhol El Pais: “una historia bonita, pero un fraude”. As organizações WWF e Aidesep negaram as acusações em suas páginas oficiais.O sertanista Meirelles divulgou nota e a Survival Internacional apresentou denúncia na Comissão de Controle da Imprensa do Reino Unido. Beaumont, que primeiro quis processar a ONG, pediu desculpas e admitiu ser a sua versão “imprecisa, enganadora e distorcida”. Porém, a reprodução da imagem com valores alterados foi usada por madeireiros contra as ONGs, em veículos da imprensa local no Peru.


Os diálogos transculturais

As migrações de valores são evidentes nos posicionamentos relativos dos nós do encadeamento, ou o que Braga (2008, p. 206) chama de thread: “três ou mais postings por duas ou mais pessoas orientadas para um único tópico”. São comentários deixados por leitores. No blog do Altino há 16 comentários. Dentre eles, dois evidenciam uma visão cultural contrária sobre a ‘gestão’ dos índios:“Marystela Ricciardi disse…Altino, (…) Maravilhosa a sensação de ter a certeza de que os índios estão lá na sua cultura original e sem intervenções de brancos para alterá-la.Anônimo disse…Posso estar errado, mas acho um pouco de egoísmo nosso manter esse povo longe do progresso somente para podermos ver como eles se mantém sem nosso avanço. O governo deveria ter um programa de adaptação digna ao mundo moderno.”São conteúdos imbricados em torno de uma mesma questão, cognitivamente relacionados, sem as pessoas se conhecerem ou manterem conexão. Encadeamento midiático é isso, um fluxo de interpenetração e intertextualidade entre veículos, em diferentes níveis quanto a sua materialidade, equalizados pelo dispositivo das tecnologias digitais, reflexos das representações uns dos outros.

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